quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Banho de ervas e pintura tradicional

Tive uma das piores noites de sono da viagem. Enquanto havia dormido muito bem na Aldeia Estrela, a primeira noite na Aldeia Mutum foi bem diferente. 

O principal problema foi como a rede havia sido disposta. Enquanto na estrela ela fora amarrada aqui foi pendurada em ganchos. Pelo menos foi esta a única razão que encontrei ou melhor, a única diferença que notei. Essa diferença de posicionamento fez o centro da rede estar mais alto que as bordas, fazendo com que braços e pernas escorregassem mudando o equilíbrio e me acordando diversas vezes. 

Conversando com outras pessoas notei que todas tiveram problema semelhante. Passamos algum tempo do dia pensando em estratégias para consertar o posicionamento das redes. Algumas pessoas utilizaram um nó numa extremidade para corrigir a altura da rede, outras adotaram dois nós. Vamos dormir para testar.

A manhã em si foi como as outras até agora. Começou cedo. Não tão cedo quanto nos outros dias, mas 6:30 ainda é cedo. 

Descobri que os mosquitos também gostam de mim. Até então eu estava com pouquíssimas mordidas causando certa inveja em meus companheiros de viagem. Mesmo sendo o último a sentir o peso das mordidas destes pequeninos mosquitos, aqui chamados de pium, não tive melhor sorte que os demais.

A mordida que o mosquito deixa lembra um ponto feito por uma caneta esferográfica. A mordida não dói, mas coça muito, sobretudo durante a madrugada. Não sei qual a relação disto com a noite ou a rede, mas há algo que acontece.

O café da manhã repetiu os itens gastronômicos já conhecidos: banana verde frita, banana madura cozida, torrada com manteiga e queijo, estes itens novidade. Além de chá, café e água.

Um fenômeno incrível aconteceu pouco depois do café da manhã. As formigas conhecidas como taocas invadiram a cozinha. Milhares de formigas estavam invadindo a cozinha. Segundo eles essas formigas não atacam os homens ou sua comida, elas vão em busca de insetos. A quantidade era tão grande e tão impressionante que o chão parecia se mover.

Formigas taocas se movimentando em massa.
Na tentativa de filmá-las, apoiei meu braço no parapeito da cozinha para logo depois perceber que tinha esmagado algumas. Comecei a tomar umas mordidas, mas escapei a tempo, apenas uma conseguiu de fato me morder. 

Durante a manhã fomos conhecer a aldeia. A Júlia nos conduziu em nossa visita, mas antes de iniciarmos a caminhada, pudemos conversar com ela e com seu irmão, o Pajé Matsini. 

Interior de uma casa na aldeia.
Ela começou nos explicando a história da aldeia, que fora fundada por seu avô. Segunda ela a dinastia tem princípio com este mesmo avô na Aldeia de Quixanawá. 

A televisão chegava a esta casa por satélite.
O avô era órfão de pai tendo seus primeiros cuidados sido dados avó. Por desde  cedo se mostrar uma pessoa bem especial, acabou voltando a ser criado pela mãe que era solteira.

Esta criança começou a desenvolver-se muito cedo e dentre as muitas habilidades que desenvolveu uma lhe ajudou muito. Ele compreendeu desde cedo a importância de negociação e foi assim que mais tarde pode negociar com seu patrão a liberdade para seu povo.

Os Yawanawás habitam diversas aldeias, todas sendo um núcleo familiar. Cada qual liderada por um patriarca/matriarca. Embora cada aldeia tenha sua história, todas ainda possuem como referência a aldeia original, onde são enterrados até hoje seus mortos.

A Júlia nos contou que se formou em letras. Eu perguntei sobre a origem do idioma e ela me contou que pertencia ao ramo Puno, ela aproveitou e comentou de um projeto da UFRJ que está registrando a língua, escrevendo uma gramática e um dicionário. Além da UFRJ outro parceiro no projeto é o Museu do Índio que por coincidência fica bem perto da minha casa.

Durante o passeio escutamos mais da história do povo Yawanawá, de detalhes das aldeias, das parcerias com empresas estrangeiras, sobretudo para a venda de urucum para a fabricação de cosméticos, dentre outros detalhes.


Sementes de urucum.
Urucum.
Das diversas construções que conhecemos gostei muito da casa da árvore. É o sonho de toda criança. Uma casa construída ao redor de uma árvore, no meio de um brejo, com uma entrada em rampa. Ela me lembrou um jogo bem antigo de computador, Myst.

Casa da árvore.
Depois desta volta nos reunimos no churru. Lá tivemos a oportunidade de conhecer Tatá, um ancião de 101 anos de idade. Não é comum alguém chegar aos 100 anos, muito menos alguém que caminhasse tranquilamente. Antes, enquanto ainda esperávamos que ele chegasse, pude escutar uma das músicas que eles entoavam e aprendi os acordes no violão.

Pouco depois de conhecer Tatá tínhamos duas atividades para fazer. A primeira era a pintura tradicional e a segunda o banho de ervas. O grupo foi dividido e eu fui para o banho de ervas, que foi feito numa das cabanas que ficam próximas ao nosso local de dormir. Algumas meninas ficaram no churru já sendo pintadas.

 O banho de ervas foi realizado em duas etapas. Antes destas duas etapas houve a preparação. Nela, diversas folhas foram adicionadas a uma panela de água de aproximadamente 50 litros. A panela foi levada a uma fogueira e a água foi aquecida.

O banho de ervas já dividido em tinas menores.
Depois de chegar ao ponto ideal a panela foi transferida para uma das barracas. Na barraca recebemos um lençol que ficou sob nossa cabeça. Isso concentrava o vapor que saía da panela fazendo parecer bastante uma sauna.

Até que para o calor da selva amazônica aguentamos bastante tempo essa etapa de calor. O cheiro que emanava das folhas era gostoso, realmente lembrando uma sauna. Depois desta etapa a água foi dividida em tinas largas e resfriada. Tivemos de aguardar algum tempo para que a temperatura fosse suportável.

Depois disso cada um sentou numa tina e o processo de banho se iniciou. Basicamente com as próprias folhas fazendo o papel de espoja para reter água, éramos banhados. O movimento era mergulhar as folhas n'água e elevá-las às nossas cabeças e ombros.

O banho durou por volta de vinte minutos. Saímos com o cheiro refrescante, embora sentindo calor. E com algumas folhas espalhadas por nossos corpos.

O almoço veio logo em seguida com uma preparação diferente de mandioca. Também acompanhou um pato que estava muito bem feito.

Ali mesmo, no refeitório, recebemos a pintura tradicional. Segundo a moça que nos pintou, a minha significava o conhecimento por termos aprendido sobre a tribo e a coragem de termos vindos de tão longe.
Pintura tradicional Yawanawá.
A noite participaremos da cerimônia religiosa deles. Teremos de manter uma dieta de tarde/noite, comendo pouco e leve. E descansando.

Nenhum comentário: