Tive uma das piores noites de sono da viagem. Enquanto havia dormido muito bem na Aldeia Estrela, a primeira noite na Aldeia Mutum foi bem diferente.
O principal problema foi como a rede havia sido disposta. Enquanto na estrela ela fora amarrada aqui foi pendurada em ganchos. Pelo menos foi esta a única razão que encontrei ou melhor, a única diferença que notei. Essa diferença de posicionamento fez o centro da rede estar mais alto que as bordas, fazendo com que braços e pernas escorregassem mudando o equilíbrio e me acordando diversas vezes.
Conversando com outras pessoas notei que todas tiveram problema semelhante. Passamos algum tempo do dia pensando em estratégias para consertar o posicionamento das redes. Algumas pessoas utilizaram um nó numa extremidade para corrigir a altura da rede, outras adotaram dois nós. Vamos dormir para testar.
A manhã em si foi como as outras até agora. Começou cedo. Não tão cedo quanto nos outros dias, mas 6:30 ainda é cedo.
Descobri que os mosquitos também gostam de mim. Até então eu estava com pouquíssimas mordidas causando certa inveja em meus companheiros de viagem. Mesmo sendo o último a sentir o peso das mordidas destes pequeninos mosquitos, aqui chamados de pium, não tive melhor sorte que os demais.
A mordida que o mosquito deixa lembra um ponto feito por uma caneta esferográfica. A mordida não dói, mas coça muito, sobretudo durante a madrugada. Não sei qual a relação disto com a noite ou a rede, mas há algo que acontece.
O café da manhã repetiu os itens gastronômicos já conhecidos: banana verde frita, banana madura cozida, torrada com manteiga e queijo, estes itens novidade. Além de chá, café e água.
Um fenômeno incrível aconteceu pouco depois do café da manhã. As formigas conhecidas como taocas invadiram a cozinha. Milhares de formigas estavam invadindo a cozinha. Segundo eles essas formigas não atacam os homens ou sua comida, elas vão em busca de insetos. A quantidade era tão grande e tão impressionante que o chão parecia se mover.
Na tentativa de filmá-las, apoiei meu braço no parapeito da cozinha para logo depois perceber que tinha esmagado algumas. Comecei a tomar umas mordidas, mas escapei a tempo, apenas uma conseguiu de fato me morder.
Um fenômeno incrível aconteceu pouco depois do café da manhã. As formigas conhecidas como taocas invadiram a cozinha. Milhares de formigas estavam invadindo a cozinha. Segundo eles essas formigas não atacam os homens ou sua comida, elas vão em busca de insetos. A quantidade era tão grande e tão impressionante que o chão parecia se mover.
Formigas taocas se movimentando em massa. |
Durante a manhã fomos conhecer a aldeia. A Júlia nos conduziu em nossa visita, mas antes de iniciarmos a caminhada, pudemos conversar com ela e com seu irmão, o Pajé Matsini.
Ela começou nos explicando a história da aldeia, que fora fundada por seu avô. Segunda ela a dinastia tem princípio com este mesmo avô na Aldeia de Quixanawá.
O avô era órfão de pai tendo seus primeiros cuidados sido dados avó. Por desde cedo se mostrar uma pessoa bem especial, acabou voltando a ser criado pela mãe que era solteira.
Esta criança começou a desenvolver-se muito cedo e dentre as muitas habilidades que desenvolveu uma lhe ajudou muito. Ele compreendeu desde cedo a importância de negociação e foi assim que mais tarde pode negociar com seu patrão a liberdade para seu povo.
Os Yawanawás habitam diversas aldeias, todas sendo um núcleo familiar. Cada qual liderada por um patriarca/matriarca. Embora cada aldeia tenha sua história, todas ainda possuem como referência a aldeia original, onde são enterrados até hoje seus mortos.
A Júlia nos contou que se formou em letras. Eu perguntei sobre a origem do idioma e ela me contou que pertencia ao ramo Puno, ela aproveitou e comentou de um projeto da UFRJ que está registrando a língua, escrevendo uma gramática e um dicionário. Além da UFRJ outro parceiro no projeto é o Museu do Índio que por coincidência fica bem perto da minha casa.
Durante o passeio escutamos mais da história do povo Yawanawá, de detalhes das aldeias, das parcerias com empresas estrangeiras, sobretudo para a venda de urucum para a fabricação de cosméticos, dentre outros detalhes.
Sementes de urucum. |
Urucum. |
Depois desta volta nos reunimos no churru. Lá tivemos a oportunidade de conhecer Tatá, um ancião de 101 anos de idade. Não é comum alguém chegar aos 100 anos, muito menos alguém que caminhasse tranquilamente. Antes, enquanto ainda esperávamos que ele chegasse, pude escutar uma das músicas que eles entoavam e aprendi os acordes no violão.
Pouco depois de conhecer Tatá tínhamos duas atividades para fazer. A primeira era a pintura tradicional e a segunda o banho de ervas. O grupo foi dividido e eu fui para o banho de ervas, que foi feito numa das cabanas que ficam próximas ao nosso local de dormir. Algumas meninas ficaram no churru já sendo pintadas.
O banho de ervas foi realizado em duas etapas. Antes destas duas etapas houve a preparação. Nela, diversas folhas foram adicionadas a uma panela de água de aproximadamente 50 litros. A panela foi levada a uma fogueira e a água foi aquecida.
Depois de chegar ao ponto ideal a panela foi transferida para uma das barracas. Na barraca recebemos um lençol que ficou sob nossa cabeça. Isso concentrava o vapor que saía da panela fazendo parecer bastante uma sauna.
Até que para o calor da selva amazônica aguentamos bastante tempo essa etapa de calor. O cheiro que emanava das folhas era gostoso, realmente lembrando uma sauna. Depois desta etapa a água foi dividida em tinas largas e resfriada. Tivemos de aguardar algum tempo para que a temperatura fosse suportável.
Depois disso cada um sentou numa tina e o processo de banho se iniciou. Basicamente com as próprias folhas fazendo o papel de espoja para reter água, éramos banhados. O movimento era mergulhar as folhas n'água e elevá-las às nossas cabeças e ombros.
O banho durou por volta de vinte minutos. Saímos com o cheiro refrescante, embora sentindo calor. E com algumas folhas espalhadas por nossos corpos.
O almoço veio logo em seguida com uma preparação diferente de mandioca. Também acompanhou um pato que estava muito bem feito.
Ali mesmo, no refeitório, recebemos a pintura tradicional. Segundo a moça que nos pintou, a minha significava o conhecimento por termos aprendido sobre a tribo e a coragem de termos vindos de tão longe.
A noite participaremos da cerimônia religiosa deles. Teremos de manter uma dieta de tarde/noite, comendo pouco e leve. E descansando.
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